Artigo – O câncer infantil nos tempos de COVID19

Gláucia Perini Zouain-Figueiredo

Tempos difíceis. O vírus, que nos últimos meses transformou a vida das pessoas, chegou para somar num universo de problemas de saúde pré-existentes, entre eles, o câncer, que acomete crianças e adolescentes. Doença com alto potencial de cura, o câncer infantojuvenil tem índices de sobrevida atrelados fundamentalmente ao conjunto de fatores inter-relacionados, entre eles o diagnóstico precoce, o apoio social, a alta qualidade dos centros de referência e pesquisa clínica e educação.

No que se refere ao COVID19 em crianças em tratamento contra o câncer, há escassez de informações. Por serem imunossuprimidas, presume-se que sejam mais suscetíveis às complicações, pois foi este o desfecho em infecções por outros coronavírus no passado. Contudo, estudo recente demonstrou que mesmo crianças infectadas pelo COVID19 e em quimioterapia permaneceram assintomáticas ou tiveram quadro respiratório leve. Isto é um alento para os oncologistas pediatras, embora o estudo em questão tenha limitações e não se deva subestimar o risco destes pacientes desenvolverem curso mais grave de COVID19 e nem relaxar nas medidas de precaução.

Temos, portanto, duas frentes de batalha. Além da luta contra o câncer, um novo desafio se impõe. A crise sanitária, revela mais uma de suas facetas, o “efeito distração”. Desviar a atenção exclusivamente à situação do COVID19, ofuscando o cotidiano da prática clínica pode impactar indireta e negativamente no desfecho do tratamento de doenças, especialmente do câncer. Mesmo em tempos de COVID19, a busca incessante pelo diagnóstico precoce e o início imediato do tratamento do câncer em crianças e adolescentes permanecem como prioridades, não devendo, de forma nenhuma, ser postergados.

Os protocolos de tratamento devem seguir, como sempre, amparados por normas de segurança porque o objetivo é a cura na maioria dos casos. Além disto, instituições de apoio como a Associação Capixaba Contra o Câncer Infantil (Acacci) estão fortalecendo medidas de prevenção visando ao bem-estar de todos, especialmente de pacientes, familiares, voluntários e colaboradores.

O receio do contágio não pode minimizar a importância da procura pelo auxílio médico. Para crianças que precisam ser atendidas em ambientes hospitalares, entre todas medidas de precaução já amplamente divulgadas pelos órgãos de saúde, como a higienização das mãos e isolamento, recomenda-se ir apenas um acompanhante e que não esteja doente ou com sintomas de gripe; manter distância de pelo menos um metro e meio de outras pessoas; sentar-se apenas em lugares que tenham sido higienizados; usar máscaras. Pacientes com sintomas respiratórios devem ser atendidos em local distinto. A vacinação contra gripe deve ser incentivada.

Neste momento, não podemos dizer quando a crise será superada e, também por este motivo, esforços devem ser feitos para que as práticas médicas já consolidadas sejam mantidas. Olhando para surtos e pandemias do passado, a erradicação completa de um patógeno dificilmente é alcançada. O controle da infecção envolve métodos de intervenção que interrompam a transmissão. A disponibilidade de testes rápidos para detectar os contaminantes e efetuar seu isolamento deve ser uma das metas, bem como o desenvolvimento de vacinas. O advento de medicamento que destrua o vírus é ainda um sonho para todos. Assim como no tratamento do câncer em crianças e adolescentes, o que se almeja é a preservação da vida com qualidade.

Vale um alerta: o diagnóstico precoce do câncer em crianças e adolescentes depende, entre outros fatores, do reconhecimento pelos pais e cuidadores de que algo não vai bem e que precisa ser investigado pelo médico. Os Sinais e Sintomas dependem da localização e do grau de espalhamento da doença, geralmente vêm em conjunto, são persistentes e progressivos.

A leucemia, o grupo mais frequente, pode se apresentar com palidez, manchas roxas, febre, sangramentos inexplicados, dores no corpo, inapetência ou irritabilidade. Ínguas são frequentemente palpadas em crianças e costumam fazer parte de processos infecciosos benignos. Ínguas suspeitassão grandes, confluentes, duras, indolores, fixas e sem evidência de causa infecciosa. Vômitos e dores de cabeça, principalmente pela manhã, sinais neurológicos como diminuição de força, alteração da marcha ou da visão, podem sugerir tumor do sistema nervoso central, assim como aumento do perímetro craniano de forma anormal, em lactentes. Ainda devem ser valorizados pupila esbranquiçada em crianças pequenas, massa no abdome, caroços em qualquer lugar do corpo, perda de apetite e emagrecimento injustificados nos últimos 3 meses, tosse persistente, falta de ar e sudorese noturna importante sem causa aparente.

A criança e o jovem podem ter bom estado geral no início do quadro, o que dificulta a relação com doença de tamanha gravidade. Algumas vezes, na primeira consulta pode não haver dados suficientes para a suspeita, já que se trata de doença infrequente, com sintomas inespecíficos e comuns a doenças benignas e habituais. É importante o retorno ao pediatra casos os sintomas persistam.

Gláucia Perini Zouain-Figueiredo

é pediatra oncologista

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