Artigo: Câncer Infantil – Em busca da cura

Nos últimos 50 anos a taxa de sobrevida de crianças e adolescentes acometidos pelo câncer em países ricos subiu de 30% para mais de 80%, chegando perto de 100% em alguns subgrupos da doença. Esta não é a realidade dos países pobres, onde estes números são inferiores a 30%. No Brasil temos desconfortáveis 64% de probabilidade de cura.

Causa perplexidade constatar que o futuro de uma criança acometida pelo câncer depende largamente da região do mundo em que ela vive. Isto é inaceitável e contraria princípios básicos da Convenção Internacional dos Direitos da Criança, entre eles, o direito à vida, a gozar do melhor estado de saúde possível e do benefício de serviços médicos, garantidos pelos pais, pela sociedade e pelo Estado.

Visando a ampliação do debate entre a comunidade, as entidades de apoio e o Congresso Nacional e o encontro de soluções para aumentar as chances de cura no país, em 2019 foi criada, em Brasília, a Frente Parlamentar da Prevenção e Combate ao Câncer Infantil – FPPCCI. Trata-se de entidade civil, de interesse público, de natureza política, suprapartidária, sem fins lucrativos, de âmbito nacional, de duração indeterminada. A iniciativa foi do Deputado Federal Bibo Nunes em parceria com o Instituto Ronald McDonald e o Instituto do Câncer Infantil.

Uma das primeiras ações dessa grande mobilização foi a proposição de política específica para a oncologia pediátrica, tendo em vista particularidades que a distinguem do câncer que acomete os adultos. O reconhecimento das fragilidades da oncologia pediátrica no Brasil norteou a criação das metas, entre elas o acesso a hospitais estruturados e especializados no tratamento, ações que favoreçam o diagnóstico precoce e preciso, o aumento da adesão a protocolos clínicos, incentivo à pesquisa, ampliação da cobertura populacional dos Registros de Câncer, apoio centrado na família visando a redução do abandono do tratamento e do sofrimento físico, emocional e social desde o diagnóstico até a alta médica.

Finalmente, em marco de 2022, o Senado aprovou por unanimidade o projeto de lei que instituiu a Política Nacional de Atenção à Oncologia Pediátrica, que prevê ações de prevenção, detecção precoce, tratamento, assistência social e cuidados paliativos.

Por que o câncer infantojuvenil?

Estima-se, anualmente, cerca de 8.460 casos novos de câncer em menores de 20 anos no Brasil. Destes, cerca de 140 casos estariam no estado do ES. Em nosso país, assim como em países desenvolvidos, o câncer representa a primeira causa de morte por doença entre 1 e 19 anos de idade.

Diferente dos adultos, o câncer infantil em geral não tem relação com fatores ambientais e não há como preveni-lo. O reconhecimento de sinais de alerta favorece o diagnóstico em estágios iniciais quando as chances de cura são maiores e as sequelas menores.

Diferente também do adulto, não há exames para rastreamento para o câncer infantil, exceto para Retinoblastoma (câncer no olho). A prática do teste do olhinho na maternidade e periodicamente nos primeiros três anos de vida é de fundamental importância para o diagnóstico em fases bem iniciais da doença, quando é possível a cura.   

Alguns subgrupos da doença, poucos, felizmente, a despeito da presteza do diagnóstico, por características próprias, não respondem satisfatoriamente aos recursos atuais da Medicina. As causas evitáveis de morte são as que requerem mais nossa atenção, pois há que se trabalhar para que não ocorram. A doença avançada gera tratamento mais intensivo, maior morbidade e mortalidade, daí a necessidade de diagnosticar e tratar precocemente.

O diagnóstico precoce depende, entre outros fatores, do reconhecimento pelos pais e cuidadores de que algo não vai bem e que precisa ser investigado pelo médico. Os Sinais e Sintomas dependem da localização e do grau de espalhamento da doença, geralmente vêm em conjunto, são persistentes e progressivos.

A leucemia, o grupo mais frequente, pode se apresentar com palidez, manchas roxas, febre, sangramentos inexplicados, dores no corpo, inapetência, irritabilidade. Ínguas são frequentemente palpadas em crianças e costumam fazer parte de processos infecciosos benignos. Ínguas suspeitas são grandes, confluentes, duras, indolores, fixas e sem evidência de causa infecciosa. Vômitos e dores de cabeça, principalmente pela manhã, sinais neurológicos como diminuição de força, alteração da marcha ou da visão, podem sugerir tumor do sistema nervoso central, assim como aumento do perímetro craniano de forma anormal, em lactentes. Ainda devem ser valorizados pupila esbranquiçada em crianças pequenas, massa no abdome, caroços em qualquer lugar do corpo, perda de apetite e emagrecimento injustificados nos últimos 3 meses, tosse persistente, falta de ar e sudorese noturna importante sem causa aparente.

A criança e o jovem podem ter bom estado geral no início do quadro, o que dificulta a relação com doença de tamanha gravidade. Algumas vezes, na primeira consulta pode não haver dados suficientes para a suspeita, já que se trata de doença infrequente, com sintomas inespecíficos e comuns a doenças benignas e habituais. É importante o retorno ao pediatra casos os sintomas persistam.

Os desfechos clínicos das crianças e adolescentes acometidos pelo câncer no Brasil refletem os cuidados de saúde que eles recebem tanto na atenção primária quanto na terciária. Finalmente temos o apoio e a força da Lei para melhorias. Precisamos fazer valer o que ela estabelece, tendo como meta a superação das taxas de sobrevida dos países ricos.

Gláucia Perini Zouain-Figueiredo é oncologista pediátrica

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